sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Entrevista com o guitarrista Mello Jr - 2007


Um dos guitarristas mais versáteis do Brasil fala sobre seu CD "Confusions" e de sua carreira no Brasil e no exterior. Confiram um pouquinho da vida do músico Mello Jr.

Confesso que me surpreendi com seu CD logo de cara na faixa “A New Day” que possui uma levada com muito swing, tema com bastante feeling e muito voltado para o jazz. É uma grande fusão de estilos numa só música e que deu muito certo. Como foi composta e arranjada esta música? Todo o disco seguiu a mesma filosofia de composição?

N o estúdio, só havia o arranjo da base. Após as gravações dos outros músicos fui criar o tema e melodia, bem na hora de gravar a guitarra. Fiquei feliz e surpreso com o resultado final. Como você percebeu, algumas coisas ficaram impressas nas músicas em geral como o swing do funk, as frases com sotaque de jazz juntamente com a técnica e pegada do rock. Elementos que fazem parte da minha história e que tinham que estar presentes em “Confusions”.

Muitos músicos instrumentais estão inserindo faixas cantadas em seus trabalhos, o que aconteceu na música “Mercantil do Brasil”. Você acha que isso tem a ver com produzir trabalhos para todas as pessoas e não para um público específico?

Essa foi uma das idéias de concepção deste CD, não ser uma um trabalho de “guitarrista” para guitarristas. Há muito tempo tento compor pensando nisso, trabalhando para a música associando o meu universo da guitarra a ela, assim acredito estar mais próximo de qualquer público. No meu primeiro CD “Plugged” também há uma música cantada, gosto muito de funk e música pop e tenho vontade de fazer um trabalho inteiro nesse sentido. Acredito que esta também seja a intenção de outros músicos instrumentais, a aproximação do público em geral.

O CD “Confusions” contou com várias participações especiais como o baterista Maurício Leite, o baixista Jotinha, a cantora, vocal da banda do programa “Altas-Horas”, Graça Cunha, dentre outros. Como surgiram estas parcerias? Como você escolheu cada músico para as gravações?

Tenho sorte por ter amigos músicos tão talentosos e de um nível tão alto. Escolhi quem tocaria em cada música pelo estilo e pegada de cada músico, para que a performance deles fosse acrescentar mais ao trabalho. Todas as pessoas a exceção da Graça Cunha já tinham trabalhado comigo em outros projetos. A Graça virou minha amiga no CD, o Lupa Mabuze que compôs a letra de “Mercantil do Brasil” a indicou para cantar nessa faixa junto a ele. Foi muito legal a oportunidade de ter uma cantora tão brilhante gravando no meu CD.

Durante todo o decorrer do CD, percebemos que você usou teclados em muitos arranjos, inclusive na faixa “Old House” em que abusou de timbres característicos de Hammond consagrados em bandas como Deep Purple.

O teclado na verdade ocupou um espaço importante na harmonia das músicas. Quando a base e harmonia estão perfeitas facilita todo o trabalho de execução e interpretação da guitarra. O José Godoy, que gravou todos os teclados, tem muito bom gosto e fez arranjos muito bacanas. Agora falando de “Old House”, é um tema com influências dos anos 60 e 70. Quisemos usar um Hammond B3 original que tinha no estúdio para gravar e trazer essa atmosfera para a música. È um instrumento único e tem uma pressão sonora esmagadora.

Sabemos que você sempre gostou muito do timbres de guitarras stratocaster. Qual foram os equipamentos usados para gravação do Cd Confusions e também aqueles que você usa atualmente em shows e gravações.

Neste CD usei 80% do tempo a minha Fender Jeff Beck stratocaster, para as bases funk e dois temas limpos a Fender Telecaster. No solo de Ilha Grande utilizei a Gibson Les Paul Classic. Os amplificadores foram: Fender Blues Deluxe e Meteoro V12. Usei também um pré amp JMP-1 Marshall.

Os pedais foram: Tube Screamer Ibanez, Daddy O Danelectro, Wah Dunlop, Super Vibe Chorus Marshall, Mutron Phaser

Além desses equipamentos tenho usado também uma guitarra Ibanez Universe de 7 cordas, para timbres mais pesados no TIME OUT junto a um amplificador MHA2000 Meteoro. E outro kit é uma Ibanez AG85 semi-acústica, com um amplificador Fender Deluxe Reedição 65. Vario muito a montagem desses equipamentos de acordo com o trabalho.

Você foi especialista de produtos da empresa Meteoro. Fale um pouco deste trabalho. Qual a importância de um profissional deste tipo em uma empresa?

Trabalhei durante quase quatro anos na Meteoro e foi um grande aprendizado. Ser especialista de produtos vai além do seu trabalho de músico. Além de desenvolver produtos, você faz manuais, presta suporte ao consumidor, faz treinamentos com vendedores em lojas, workshop de demonstração dos produtos, colhe informações e tendências do mercado, etc. É um trabalho muito importante porque tem a função de aproximar a marca do cliente seja ele lojista ou cliente final, além de trabalhar como pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos.

Conheci o Brasil inteiro fazendo esse trabalho.

Você passou uma boa temporada nos EUA acompanhando artistas norte americanos. Conte-nos sobre esta fabulosa experiência e o que isso mudou em sua carreira?

Foi uma experiência incrível, conheci o Diretor musical do grupo “Nu Begginings” em São Paulo, eles estavam sem guitarrista e fui convidado para fazer 8 shows. Logo em seguida, fui convidado para trabalhar com ele em New Orleans. O que chamou a atenção para meu trabalho foi a versatilidade, que não é muito comum por lá. Nos Estados Unidos trabalhei com diversos artistas e tive oportunidade de tocar em festivais como o Jazz Fest de New Orleans (um dos maiores festivais de jazz do mundo), o Blues Cruise (maior festival de blues em navio nas Bahamas), além de viajar em turnê por outras cidades como Miami, Memphis, New Hampshire, Austin e Jackson. Gostei muito também de tocar em igrejas batista, a energia dos músicos e coral são fenomenais, me arrepio só de lembrar.

Acho que para a minha carreira foi super importante, pelo amadurecimento que tive trabalhando por lá e pelo respeito, são poucos músicos brasileiros que tiveram oportunidade de trabalhar nos Estados Unidos. Aprendi coisas que são imprescindíveis para trabalhar: saber o que tocar e a hora de tocar é muito importante. Quase o tempo todo toquei em “gigs” com dois teclados, então a guitarra raramente toca acordes, por exemplo.

No Brasil, você já acompanhou artistas como Wanessa Camargo, Zezé di Camargo e Luciano, e Eduardo Araújo. Como é trabalhar neste meio? Como você enxerga o mercado de sideman atualmente no Brasil?

É um trabalho diferenciado, você faz parte de uma estrutura grande e coloca a sua musicalidade a serviço da música de outras pessoas. Trabalhar nesse meio envolve responsabilidade, profissionalismo e seriedade. No meu caso de guitarrista, tenho que ter atenção especial com timbres, ler partituras e ser preciso na execução de bases e solos. O mercado é muito pequeno, são poucas oportunidades. Mesmo assim se estiver trabalhando com um artista grande, dá para ganhar um dinheiro razoável tocando entre os meses de março a outubro, que é a temporada onde temos mais shows. Nos workshops as pessoas sempre me perguntam como conseguir trabalhar com esses artistas e costumo dizer que os convites acontecem pelo trabalho que você fez através de alguns anos, e pelo profissional que foi em outros trabalhos. Um trabalho puxa o outro.

Você é um músico com trabalhos diversificados. Em sua opinião, é difícil atuar somente em uma área da música ou isso ainda é possível?

Há muito tempo acho que no Brasil é complicado viver de uma só área ou estilo musical, a não ser que faça parte de uma banda e vire um popstar. Hoje todo mundo praticamente tem que dar aulas, fazer shows, acompanhar artistas, dar consultoria, fazer workshops, etc. Acho que trabalhar com outras coisas, mesmo que não seja seu trabalho principal, pode ajudá-lo a desenvolver sua própria carreira. Gravei meu CD Confusions somente com grana de show da Wanessa Camargo.

Deixe um recado aos leitores do Tocando Guitarra falando sobre a carreira de músico brasileiro com suas dificuldades e vantagens.

A Música é um caminho árduo com dificuldades e desafios, para ser vencedor precisa-se muita dedicação e coragem. Fazer o que realmente gosta é um sonho para a maioria das pessoas, por isso acho que vale a pena enfrentar qualquer desafio para ser músico. Se você decidir por isso, tenha foco, saiba realmente onde quer chegar e se prepare, estude bastante, seja honesto e ético, respeite as outras pessoas e toque para a música.

Boa Sorte!

Rodrigo Almeida